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Impeachment difícil, mas Michel Temer continua se aprestando

 

 

 

 

 

 

Por Feichas Martins

No Brasil, abaixo da linha do Equador,  onde não existe pecado, vai se desenhando o caminho para que a Presidenta Dilma Rousseff  se livre do impeachment  pedido pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reali Júnior por conta das denominadas “pedaladas fiscais” do Governo.

O próprio Tribunal de Contas da União  admite que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e sua equipe são os responsáveis pelas “pedaladas”, apontando o caminho para que a Presidenta Dilma e o vice-presidente Michel Temer escapem do julgamento.

Resumindo: A Chefa do Governo e o seu eventual substituto, Michel Temer, assinaram as “pedaladas fiscais” sem qualquer responsabilidade pelos seus atos. A equipe econômica tê-los-ia induzido ao expediente, que é inconstitucional.

Com a Polícia Federal tocando fogo nos esconderijos e arquivos do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, fervoroso defensor do processo de impeachment, também pressionado pela Comissão de Ética daquela Casa, mais um foco de agressão a Dilma é debelado.

Soma-se a isso tudo a afirmação do presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros, de que um eventual impeachment teria que passar também pelo Senado Federal. As ruas se manifestam flacidamente em favor do impeachment da Presidenta. Sem maior pressão, elas não decidirão, com toda a efervescência causada pelas redes sociais.

A mídia impressa e eletrônica, empresas do setor esportivo e bancos  patrocinadores, de olho no faturamento e nos seus compromissos com a realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, no próximo ano, no Rio de Janeiro, com início de agosto e término em setembro, também não querem o impeachment, que pode gerar instabilidade e repelir investidores e turistas.

Se Dilma não deve sair pelo impeachment, sairia cassada pelo Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder econômico na sua reeleição? Também não, porque Michel Temer seria cassado com ela. Então, teoricamente, tudo continuará como está, e até pode melhorar, se o Governo conseguir sair da armadilha econômica em que caiu. Certo ou errado?

Errado, porque o vice-presidente Michel Temer está se preparando para assumir a Presidência ocupando o vácuo de confiabilidade e eficácia que Dilma tem deixado. Ela diz que quer ficar porque foi eleita, mas o mesmo povo que a colocou tem o direito de destitui-la por não corresponder aos seus anseios e por se manifestar descrente do PT por tantas mazelas que vêm sendo apuradas e que levaram o Brasil a essa situação vexatória. São Tomás de Aquino já considerava legítima a rebelião popular contra o governante inepto, causando frisson na Baixa Idade Média com sua tese.

Temer conta com apoio de quase todos partidos. Sempre foi e continuará sendo a pedra angular, o unificador da política brasileira atual. Renúncia voluntária de Dilma ou sua incapacitação física por razões diversas, principalmente  as de saúde, são duas alternativas que restam para que o caminho seja aberto para Michel Temer assumir sem traumas para a democracia, para as Olimpíadas e as Paraolimpíadas.

À margem do processo político, continua a Operação Lava Jato com as suas apurações que ainda revelarão fatos absurdos e que podem mudar o caleidoscópio político a todo instante. O ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, luta desesperadamente para salvar o pescoço dos empresários, conforme notícias que circulam nas redes sociais e apurações da revista “Veja”. Eduardo Cardoso estaria sujeito a cominações legais, como aconteceu com o senador Delcidio do Amaral, por tentar usar seu cargo para  atrapalhar as investigações da Lava Jato.

A situação política e econômica   no Brasil continua nebulosa, principalmente porque ainda não se chegou a um ponto de ruptura político-institucional, embora o governo Dilma Rousseff em si esteja ferido de morte, como naquele samba de Nelson Sargento com letra de Chico Buarque de Holanda, “Agoniza, mas não morre”.

Feichas Martins,  jornalista e cientista político, é diretor da Abrajorp e da Fenai.

Golpe, o objetivo oculto do “Mensalão”

 

 

 

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Feichas Martins [*]

Coube ao ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, a mais lúcida definição do que foi o “Mensalão”: Uma tentativa de golpe de estado. Ao proferir seu voto, o ministro também teceu considerações sobre o sistema de coalizão partidária vigente para governar o Brasil, o qual, a seu ver, é foco de corrupção, pois a hegemonia política de um partido (no caso o PT) é construída a partir de alianças perenes com os demais, “quando o sentido das alianças é o da sua transitoriedade.”

Merece citação completa a conclusão do ministro Ayres Brito sobre o “Mensalão“: “Claro que o objetivo não era corromper, mas acumular recursos. Me parece que os autos dão conta, que sob a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi arquitetado. Não de governo, porque projeto de governo é lícito, é quadrienal. Mas um projeto de poder que vai muito mais de um quadriênio quadruplicado. Um projeto de poder que, muito mais do que continuidade administrativa, é seca e razamente continuísmo governamental. Golpe, portanto, neste conteúdo mais eminente da democracia, que é a república”.

O ministro, que já foi candidato a deputado federal pelo PT, em 1990, perdendo as eleições, desvenda com suas declarações dois fenômenos da política brasileira pós-regime militar: A coalizão partidária de governo, que tem no PMDB sua espinha dorsal, e o esfacelamento da oposição parlamentar brasileira.

Todo partido político, como observa Duverger, nasce de uma facção e morre numa facção, sendo seu objetivo a conquista do poder. Nessa mesma linha de pensamento situam-se outros importantes autores, entre os quais Sartori, Michels e Bobbio.

Mas, no Brasil, contrariando princípios da filosofia e da ciência políticas, os partidos preferem fazer alianças do que lançar candidatos à Presidência da República.O PMDB parece optar pela estratégia de lançar candidatos a vice, como no caso da chapa Fernando Collor/Itamar Franco e Dilma Rousseff/Michel Temer, mesmo ostentando a condição de partido detentor do maior número de prefeituras e de bancadas majoritárias na Câmara e no Senado.

Os atuais PP, PTB e PDT (de após Leonel Brizola) preferem ser caudatários do partido hegemônico do que lançar candidatos próprios, ao contrário do Prona com Eneas e do PV com Marina Silva, que acabaram obtendo votações expressivas como prêmio pela sua coerência e ousadia de cumprir sue objetivo existencial de disputar o poder. Leonel Brizola não admitia o PDT fora de uma disputa presidencial.

O fisiologismo e o medo de ficar à margem do poder leva os partidos de médio porte a essa estratégia de sobrevivência, de eficácia duvidosa, à custa de barganhas de votos por cargos ministeriais ou de empresas estatais, transformando o processo legislativo em rolo compressor do governo, onde a oposição,desempenha um papel meramente figurativo. 

Não se pode subestimar no Brasil o fascínio que os cargos executivos exercem sobre os deputados e senadores em geral, pelo volume de verbas que administram. Exemplo emblemático e recente é o da senadora Marta Suplicy, que se despiu do estratégico cargo de vice-presidente do Senado para ser ministra da Cultura. Ulysses Guimarães e Tancredo Neves tinham orgulho de serem deputados, exercerem cargo eletivo, e entendiam que o mandato conferido pelo povo era o poder maior sob a égide da democracia…

Quanto à menção de uma tentativa de golpe de estado via “Mensalão”, a possibilidade realmente se concretiza quando o governo não tem oposição e consegue uma esmagadora maioria parlamentar, que aprova tudo, inclusive o continuísmo disfarçado ou escancarado.

Num sistema partidário moderadamente predominante, a democracia pode ser exercitada através das urnas; mas, com a coalizão atualmente vigente, o Brasil corre o risco real de sofrer novas investidas contra o regime democrático. Eis porque as palavras do ministro servem de importante alerta para a sociedade. A autocracia também se modernizou e a globalização mostra que coalizões duradouras têm natureza degenerativa…

[*] Fichas Martins é jornalista, cientista político e professor universitário. Edita o Política com Feichas Martins