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Golpe, o objetivo oculto do “Mensalão”

 

 

 

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Feichas Martins [*]

Coube ao ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, a mais lúcida definição do que foi o “Mensalão”: Uma tentativa de golpe de estado. Ao proferir seu voto, o ministro também teceu considerações sobre o sistema de coalizão partidária vigente para governar o Brasil, o qual, a seu ver, é foco de corrupção, pois a hegemonia política de um partido (no caso o PT) é construída a partir de alianças perenes com os demais, “quando o sentido das alianças é o da sua transitoriedade.”

Merece citação completa a conclusão do ministro Ayres Brito sobre o “Mensalão“: “Claro que o objetivo não era corromper, mas acumular recursos. Me parece que os autos dão conta, que sob a velha, matreira e renitente inspiração patrimonialista, um projeto de poder foi arquitetado. Não de governo, porque projeto de governo é lícito, é quadrienal. Mas um projeto de poder que vai muito mais de um quadriênio quadruplicado. Um projeto de poder que, muito mais do que continuidade administrativa, é seca e razamente continuísmo governamental. Golpe, portanto, neste conteúdo mais eminente da democracia, que é a república”.

O ministro, que já foi candidato a deputado federal pelo PT, em 1990, perdendo as eleições, desvenda com suas declarações dois fenômenos da política brasileira pós-regime militar: A coalizão partidária de governo, que tem no PMDB sua espinha dorsal, e o esfacelamento da oposição parlamentar brasileira.

Todo partido político, como observa Duverger, nasce de uma facção e morre numa facção, sendo seu objetivo a conquista do poder. Nessa mesma linha de pensamento situam-se outros importantes autores, entre os quais Sartori, Michels e Bobbio.

Mas, no Brasil, contrariando princípios da filosofia e da ciência políticas, os partidos preferem fazer alianças do que lançar candidatos à Presidência da República.O PMDB parece optar pela estratégia de lançar candidatos a vice, como no caso da chapa Fernando Collor/Itamar Franco e Dilma Rousseff/Michel Temer, mesmo ostentando a condição de partido detentor do maior número de prefeituras e de bancadas majoritárias na Câmara e no Senado.

Os atuais PP, PTB e PDT (de após Leonel Brizola) preferem ser caudatários do partido hegemônico do que lançar candidatos próprios, ao contrário do Prona com Eneas e do PV com Marina Silva, que acabaram obtendo votações expressivas como prêmio pela sua coerência e ousadia de cumprir sue objetivo existencial de disputar o poder. Leonel Brizola não admitia o PDT fora de uma disputa presidencial.

O fisiologismo e o medo de ficar à margem do poder leva os partidos de médio porte a essa estratégia de sobrevivência, de eficácia duvidosa, à custa de barganhas de votos por cargos ministeriais ou de empresas estatais, transformando o processo legislativo em rolo compressor do governo, onde a oposição,desempenha um papel meramente figurativo. 

Não se pode subestimar no Brasil o fascínio que os cargos executivos exercem sobre os deputados e senadores em geral, pelo volume de verbas que administram. Exemplo emblemático e recente é o da senadora Marta Suplicy, que se despiu do estratégico cargo de vice-presidente do Senado para ser ministra da Cultura. Ulysses Guimarães e Tancredo Neves tinham orgulho de serem deputados, exercerem cargo eletivo, e entendiam que o mandato conferido pelo povo era o poder maior sob a égide da democracia…

Quanto à menção de uma tentativa de golpe de estado via “Mensalão”, a possibilidade realmente se concretiza quando o governo não tem oposição e consegue uma esmagadora maioria parlamentar, que aprova tudo, inclusive o continuísmo disfarçado ou escancarado.

Num sistema partidário moderadamente predominante, a democracia pode ser exercitada através das urnas; mas, com a coalizão atualmente vigente, o Brasil corre o risco real de sofrer novas investidas contra o regime democrático. Eis porque as palavras do ministro servem de importante alerta para a sociedade. A autocracia também se modernizou e a globalização mostra que coalizões duradouras têm natureza degenerativa…

[*] Fichas Martins é jornalista, cientista político e professor universitário. Edita o Política com Feichas Martins